Caminhos de Resistência – Série de Estudos de Caso
Este estudo de caso mostra como a comunidade de Sinangoe, localizada na província de Sucumbíos, Equador, desenvolveu e implementou, em colaboração com parceiros-chave, uma combinação de estratégias (vigilância e monitoramento territorial comunitário adotando tecnologia, coleta de provas, litígio estratégico, comunicações internas e externas e advocacy) que resultou em uma decisão judicial positiva bem sucedida para a proteção da autodeterminação e dos direitos territoriais do povo indígena A’i Cofán.
1. Vídeo do Estudo de Caso
2. O Estudo de Caso em Poucas Palavras
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Povo Indígena: A’i Cofán
Localização: Comunidade de Sinangoe, Província de Sucumbíos, Equador. Localizada às margens do rio Aguarico, na fronteira do Parque Nacional Cayambe Coca
Área: 55,000 hectares de floresta majoritariamente nativa
População: 38 familias
Atividades: Pesca, caça, artesanato
Governança: Decisões tomadas coletivamente através de assembleias comunitárias
Parceiros TOA envolvidos: Sinangoe é uma aliada de Alianza Ceibo.
3.1. Contexto e Desafios
- Durante muitos anos, o território indígena A’i Cofán de Sinangoe foi invadido por mineiros, madeireiros, caçadores e pescadores ilegais. A comunidade solicitou ações governamentais diversas vezes, mas nenhuma solução foi apresentada.
- Em janeiro de 2018, o governo equatoriano outorgou dezenas de concessões no território ancestral do povo A’i Cofán, sem consulta prévia ou comunicação com a comunidade. Na ocasião, Sinangoe apresentou uma queixa às autoridades provinciais e nacionais, porém, não recebeu nenhuma resposta.
- Em julho de 2018, a comunidade entrou com um processo contra o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério de Energia e Recursos Naturais Não Renováveis, a Agência de Regulação e Controle de Mineração (ARCOM) e a Secretaria de Águas (SENAGUA) por violações do direito dos povos indígenas à consulta prévia; o direito a um ambiente saudável; o direito à água, alimentação, saúde e vida; e os direitos à natureza. O juiz decidiu a favor da comunidade; entretanto, os Ministérios recorreram imediatamente da decisão. Então, em setembro de 2018, o julgamento foi levado ao Tribunal Provincial de Sucumbíos.
- Durante esse período (julho a setembro), a comunidade lançou uma série de ações e, em 6 de setembro de 2018, o Tribunal finalmente decidiu a favor de Sinangoe, suspendendo definitivamente tanto as concessões outorgadas quanto as que estavam sendo avaliadas, livrando assim mais de 32.000 hectares de floresta virgem da ameaça da mineração e estabelecendo um precedente histórico para os povos indígenas do Equador.
3.2. Estratégias: fatores-chave para superar os desafios
A seguir, é apresentada uma lista de fatores-chave para a vitória jurídica de Sinangoe contra o governo equatoriano. Alguns já estavam em vigor antes da identificação do desafio e formaram uma base importante para o caso (como o processo de tomada de decisões por meio de assembleias), enquanto outros foram desenvolvidos como parte da estratégia ad-hoc.
- Colaborações e Alianças: um fator-chave de sucesso foi o apoio estratégico recebido de várias organizações. A Alianza Ceibo (organização equatoriana sem fins lucrativos composta de quatro nacionalidades indígenas: A’i Cofán, Siekopai, Siona y Waorani) e a Amazon Frontlines forneceram apoio institucional e técnico/jurídico durante todo o processo do caso, incluindo formalização e treinamento da Guarda Comunitária, revitalização das tradições e conhecimentos ancestrais da comunidade, capacitação em questões de direitos humanos e indígenas, e assessoria jurídica e de comunicação, entre outros. A Digital Democracy apoiou Sinangoe com assessoria técnica em mapeamento territorial e provisão de equipamento tecnológico. Por fim, a vontade política da Defensoria Pública do Equador (Defensoría del Pueblo) de colaborar com o caso Sinangoe também foi um fator relevante.
- Governança Comunitária: uma característica-chave do sucesso deste caso é a organização comunitária, da qual deriva uma estrutura orgânica e a unidade comunitária, além da liderança dos porta-vozes de Sinangoe no âmbito da batalha legal. Os membros da comunidade de Sinangoe enfatizam a importância de desenvolver uma visão compartilhada de seus valores, a riqueza de seu território, seus conhecimentos ancestrais e sua capacidade de valorizar tudo o que possuem. Assim, com base nesse compromisso e organização comunitária, também houve uma forte conexão com os porta-vozes do caso, bem como com parceiros da Alianza Ceibo e da Amazon Frontlines, que tiveram vários dias de convivência na comunidade para aprender mais sobre as demandas e fortalecer os laços com seus membros. Além do mais, a comunidade de Sinangoe trabalha permanentemente através de convocações de assembleias para abordar eventos importantes. Uma vez identificadas as atividades mineradoras em seu território, os monitores comunitários apresentaram as provas à comunidade que, em uma assembleia, decidiu prosseguir com o litígio estratégico. Essa participação coletiva explica por que os líderes não tiveram que motivar a comunidade a agir para adotar ações, e tudo o que eles implementaram baseou-se na iniciativa dos próprios membros da comunidade. Essa estratégia foi especialmente importante, permitindo-lhes obter o apoio e o compromisso de todos os membros da comunidade para o caso legal de Sinangoe.
- Criação de sua própria Lei e Regulamentos: no âmbito da Constituição do Equador (artigo 57, número 10), que estabelece que os povos indígenas podem criar, desenvolver, aplicar e praticar seu direito próprio ou consuetudinário, em 2017, a comunidade A’i Cofán desenvolveu, com o apoio da Alianza Ceibo, sua própria Lei de Controle e Proteção do Território Ancestral A’i Cofán de Sinangoe – uma necessidade identificada e parte dos passos iniciais para dar uma resposta estratégica ao desafio que enfrentam em seu território. A Lei regulamenta o que as pessoas de fora da comunidade podem ou não fazer no território Sinangoe e, embora se aplique apenas às pessoas externas à comunidade, evita-se a necessidade de discutir cada caso individualmente e assegura uma comunicação clara dos porta-vozes comunitários sobre as regras aplicadas a essas pessoas. O registro escrito de sua Lei (prática incomum para eles) também tem o objetivo de garantir o reconhecimento governamental de suas próprias regras. Por último, essa Lei também formalizou a criação da Guarda Comunitária, embora Sinangoe já promovesse o monitoramento de seu território como uma prática comum antes da criação de sua Lei.
- Monitoramento e Mapeamento Territorial com o Uso da Tecnologia: a Guarda Comunitária tem desempenhado um papel fundamental na coleta de provas acerca da destruição de terras, como o desmatamento, a entrada de maquinário pesado, a criação de lagoas para lavagem de minérios e a contaminação química do rio, entre outros impactos. Foram eles que identificaram e apresentaram as provas dos danos causados pelas concessões de mineração à comunidade, que então decidiu coletivamente como responder. – A criação de protocolos de vigilância e monitoramento permite que a Guarda Comunitária realize seu trabalho de forma mais segura. Eles também receberam treinamento da Democracia Digital sobre como combinar seus conhecimentos ancestrais com ferramentas e sistemas tecnológicos durante suas atividades de patrulhamento.
- Coleta de Provas: durante os patrulhamentos, a coleta de provas promovida pela Guarda Comunitária é realizada por meio de: instalação e monitoramento de armadilhas fotográficas; mapeamento de coordenadas de GPS do que encontram; operação com drones; gravação de vídeos; monitoramento e mapeamento digital através do aplicativo Mapeo, entre outras atividades. Nesses patrulhamentos, a Guarda documenta a evidência das invasões de terras e os danos causados a suas florestas e rios. Por exemplo, eles mapearam quais e quantas pessoas entraram ilegalmente em seu território com a ajuda de armadilhas fotográficas. Também, mapearam como uma concessão mineira destruiu quinze hectares de floresta virgem e contaminou o Rio Aguarico com mercúrio e cianeto.
- Capacitação em Direitos Humanos, Autodeterminação e Direitos Legais: a Alianza Ceibo, com apoio técnico da Amazon Frontlines, promoveu um programa intensivo de treinamento para membros comunitários, que abrangeu questões legais, bem como processos de resistência não violenta. O objetivo era empoderar as pessoas das comunidades indígenas para que as iniciativas propostas surgissem daqueles que melhor conhecessem seus problemas. Como resultado, a Alianza Ceibo começou a apresentar propostas à Amazon Frontlines para iniciar ações legais que poderiam ser tão simples quanto a solicitação de informações ao governo ou tão complexas quanto o caso Sinangoe. Nesse processo, destaca-se a importância de identificar o formato de treinamento mais apropriado; por exemplo, no início, antes da criação do programa de treinamento intensivo, foram promovidas oficinas de um a três dias, que se revelaram insuficientes.
- Conscientização Interna: a Alianza Ceibo implementou uma estratégia geral para elevar a conscientização das comunidades indígenas com as quais trabalha sobre os danos e riscos relacionados às atividades extrativistas, e ajudou a engajar as outras nacionalidades (Siekopai, Siona e Waorani) no apoio à causa A’i Cofán. De modo geral, a estrutura de governança e o envolvimento das comunidades foram fundamentais para garantir ações mais bem coordenadas, aumentar a pressão social sobre as autoridades e ganhar apoio nacional e internacional, levando a um maior impacto político em nível nacional.
- Advocacy e Campanhas: a equipe jurídica e de comunicação da Alianza Ceibo e da Amazon Frontlines se reuniu todas as semanas com membros da comunidade que, como parte da estratégia integral, participaram de programas de rádio, conferências de imprensa e protestos para falar sobre suas próprias experiências e apelar às emoções das pessoas sobre os desafios enfrentados: A narrativa pessoal tem um apelo mais forte do que o discurso jurídico, que pode ser pouco atraente para a maioria das pessoas. Em nível nacional, a estratégia de comunicação de Sinangoe não se focou no diálogo ou na negociação com entidades governamentais, embora não tivesse descartado a possibilidade de esgotar todos os canais existentes. Apesar disso, a equipe identificou entidades estatais, como a Defensoria do Povo, com a vontade política de lutar pela defesa da Amazônia e a capacidade institucional de pressionar o Poder Executivo. Para conscientizar o público nacional e internacional sobre a riqueza cultural e ambiental de Sinangoe, a comunidade, a Alianza Ceibo e a Amazon Frontlines contaram com redes sociais e websites dedicados à conscientização e sensibilização das pessoas sobre o caso.
- Mobilização dos Povos Indígenas: durante o processo de litígio, a comunidade de Sinangoe participou de várias mobilizações denunciando ao Equador e ao mundo a violação de seus direitos causada pela promoção de atividades mineradoras em seu território. A organização destas mobilizações ligadas às ações de comunicação, advocacy e campanhas é uma estratégia geralmente aplicada pela Alianza Ceibo e pela Amazon Frontlines, que gera um maior impacto na conscientização e sensibilização. A partir dessas mobilizações, o povo A’i Cofán de Sinangoe ganhou apoio de várias organizações nacionais e internacionais, o que lhes deu força para continuar sua luta.
- Litígio Estratégico: embora os processos legais sejam exclusivos para o caso de cada comunidade, o litígio estratégico deve ser sempre o objetivo, pois procura resolver um problema particular e pessoal, enquanto fornece uma solução para todos os problemas similares. Portanto, o caso legal de Sinangoe foi desenvolvido para servir também às causas de outros povos indígenas que enfrentam ameaças semelhantes. O povo A’i Cofán baseou sua estratégia na premissa de que a ação legal é simplesmente mais uma ferramenta que deve ser suplementada por outras estratégias. Além disso, todo o processo legal se baseou em um movimento de base e foi conduzido por pessoas da nacionalidade A’i Cofán – que receberam assessoria técnica específica para realizar essa função. A Amazon Frontlines ofereceu a assessoria jurídica: não foi um advogado externo que propôs o caso ou apresentou as ações. Na verdade, o caso legal foi movido pelos próprios representantes da comunidade, que também participaram ativamente do lobby junto às autoridades. Finalmente, a estratégia de Sinangoe também incluiu a conscientização de juízes, autoridades e jornalistas sobre os danos causados pela mineração no local, o que permitiu ao juiz observar em primeira mão (assim como com a ajuda de drones) os impactos causados pelas retroescavadeiras em um curto período de operações. A combinação de todas essas estratégias foi fundamental para a vitória de Sinangoe em um período de tempo relativamente curto (cerca de três meses depois da ação judicial ter sido instaurada).
3.3. Benefícios: valor agregado e impactos do caso
- Fortalecimento do Monitoramento e Mapeamento Territorial com Uso de Tecnologia: através da combinação de conhecimentos ancestrais e tecnologia de ponta, a Guarda Comunitária tem um ótimo sistema para monitorar e mapear seu território. A partir das atividades de monitoramento, a coleta de provas foi essencial para a vitória da comunidade sobre o governo. Essa experiência levou a Guarda Comunitária a registrar em mapas (tanto físicos quanto digitais, com o aplicativo Mapeo) os locais importantes da vida selvagem, as plantas medicinais, as trilhas utilizadas por seus avós, etc. Esse registro ajudará o povo A’i Cofán de Sinangoe no processo de titulação de seu território, bem como a compreender e valorizar sua memória e herança cultural, de grande importância para os jovens.
- Participação das Mulheres no Monitoramento e Mapeamento Territorial: até agora, uma mulher foi treinada e é membro da Guarda Comunitária A`i Cofán, abrindo oportunidades para outras mulheres e para o próprio sistema da Guarda. A comunidade concorda que a participação das mulheres é fundamental, por causa de sua capacidade de falar com mais calma e clareza com os invasores, além de suas habilidades organizacionais. Por outro lado, para participar, as mulheres devem superar os desafios de equilibrar esse papel com outros papéis típicos, como o de mãe e esposa. Alexandra Narváez, a primeira mulher a se tornar membro da Guarda Comunitária, acredita que: “Se há uma mulher que se sente mais forte [para fazer parte da Guarda Comunitária], então eu penso: ‘Sim, eu também posso fazer isso. Quero falar por meu território como falam minhas colegas’ – e isso me dá mais força para querer ser uma guarda.”
- Unidade Comunitária e Sinergias: como mencionado anteriormente, a governança comunitária de Sinangoe tem sido colaborativa há muito tempo, com decisões tomadas coletivamente através de assembleias comunitárias. No entanto, o processo deste caso e a vitória final fortaleceram o empoderamento da comunidade. Também, observou-se o fortalecimento da solidariedade entre os A’i Cofán de Sinangoe e outras nacionalidades: por meio da Alianza Ceibo e outros parceiros, os A’i Cofán estão em constante coordenação para promover mobilização, ações de advocacy e intercâmbios com outras nacionalidades para compartilhar experiências sobre estratégias de defesa territorial, apoiando em última instância a proteção de seus direitos territoriais e os de outros povos.
- Proteção dos Defensores: a função da Guarda e dos porta-vozes indígenas foi crucial durante todo o processo de litígio, desde a coleta de provas até as mobilizações e as ações de campanha. A maior visibilidade de alguns desses membros da comunidade também levou a um relatado aumento das ameaças contra eles. Esse processo evidencia a importância de seu papel e forneceu mais argumentos para reforçar as medidas de segurança para os guardas, já que eles enfrentam os maiores riscos de violência, principalmente durante as atividades de patrulhamento. A Alianza Ceibo continuou a trabalhar na criação de redes de proteção dos defensores, para que respondam às crescentes ameaças no terreno.
- Legado Jurídico: a decisão no caso de Sinangoe estabeleceu um precedente para casos futuros relacionados a violações de direitos coletivos e danos ambientais causados pela mineração e a poluição de rios, e para todos os assuntos relacionados à consulta prévia, autodeterminação e autogoverno das comunidades indígenas no Equador. Foi escolhido pela Corte Constitucional do Equador para desenvolver a jurisprudência nacional sobre a violação sistemática do direito à autodeterminação. A comunidade de Sinangoe, em cooperação com a Alianza Ceibo e outros parceiros, está em constante coordenação para assegurar o cumprimento da decisão judicial por parte do governo na prática.
4. Cronologia
Veja mais sobre:
- Alianza Ceibo: A Luta de Sinangoe
- Todos os Olhos na Amazônia: Viagem de Aprendizagem: Vozes que inspiram