Defensores ambientais e de direitos humanos desempenham um papel fundamental na proteção dos direitos individuais e coletivos dos povos indígenas (PIs) na região amazônica. Eles geralmente enfrentam cenários de alto risco, com ameaças, violência e assassinatos, enquanto são percebidos como inimigos de interesses poderosos relacionados à extração de recursos naturais e projetos de infraestrutura. Além disso, existe uma assimetria de poder entre os defensores e os povos que eles representam, por um lado, e o Estado, as empresas privadas e até mesmo grupos armados, de outro.
Nessa perspectiva, os defensores representam um poder de contrapeso, vital para as democracias. Portanto, os governos devem implementar mecanismos de proteção eficazes para garantir as condições mínimas de segurança para seu trabalho, além de medidas de aplicação da lei para uma proteção efetiva dos territórios indígenas na região amazônica.
O último episódio da série de webinars do TOA explorou as principais ações, desafios, recomendações e recursos para a proteção de defensores dos territórios indígenas. A sessão em espanhol do webinar (13 de maio) foi mediada por Doris Ortiz, representante da Hivos no Equador, e contou com a participação de Gregorio Mirabal, liderança do povo indígena Curripaco na Venezuela e coordenador-geral da Coordenadora das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), Alicia Abanto, Defensora Adjunta do Meio Ambiente, Serviços Públicos e Povos Indígenas da Defensoria do Povo do Peru, e Ana Gabriel Zúñiga, Gerente de Desenvolvimento de Projetos em Transparência da Hivos América Latina.
A sessão em português (14 de maio) foi mediada por Paula Bernardi, coordenadora do Brasil do programa Todos os Olhos na Amazônia (Hivos), e contou com a participação de Mário Nicácio, vice-coordenador da Coordenação de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COIAB), Thiago Firbida, Coordenador do Programa de Proteção e Segurança da Artigo 19, e Erika Yamada, Diretora de Programa da Fundação Ford Brasil, como palestrantes.
Ações
- Monitoramento de terras indígenas: Estratégias ancestrais, como as atualmente adotadas pelos “Guardiões e Guerreiras da Floresta” – grupos comunitários de homens e mulheres indígenas que promovem a vigilância e o monitoramento de seus territórios, comprovaram sua eficácia em evitar a presença de invasores em suas terras. Além disso, demonstraram ser ainda mais necessários nos casos em que o governo federal é um opositor à proteção dos direitos indígenas, como é o caso do Brasil. No entanto, essa atividade representa um grande risco para os Guardiões, devido a diversas ameaças, falta de equipamento e maior exposição ao risco de contaminação por COVID-19.
- Advocacy internacional para respostas de saúde: Para denunciar violações e exigir respostas do governo, o movimento indígena faz uso de mecanismos legais internacionais e campanhas de advocacy. Por exemplo, desde a chegada da COVID-19 à região, a COICA vem promovendo um forte trabalho de advocacy junto às Nações Unidas (ONU), à Organização Mundial da Saúde (OMS), ao Fundo Monetário Internacional (FMI), à Igreja Católica, além dos governos e Forças Armadas de todos os nove países da Bacia Amazônica, exigindo atenção e ação imediatas sobre as consequências específicas da COVID-19 para os PIs [para mais informações, veja os destaques do nosso segundo webinar]. Especificamente, a COICA solicita o estabelecimento de protocolos de saúde de COVID-19 para os PIs, o que nenhum dos nove países desenvolveu até o momento.
- Advocacy nacional e ações da sociedade civil para o fortalecimento de políticas públicas e leis sobre direitos humanos e defensores do meio ambiente: Os governos da Bacia Amazônica devem ratificar o Acordo de Escazú [veja abaixo em ‘Recursos’], um tratado regional que promove o acesso à informação, à justiça e participação da sociedade em questões ambientais na América Latina e no Caribe. A ratificação do Acordo é fundamental para a proteção dos defensores da Amazônia, além da implementação de políticas públicas e leis nacionais, como o protocolo do governo peruano para a proteção dos defensores dos direitos humanos, aprovado em 2019. Além disso, também existem fortes iniciativas paralelas sendo tomadas pelo movimento indígena em colaboração com outros atores, como o Programa de Defesa dos Defensores, liderado pela COICA.
- Papel das defensorias: Em maio de 2020, as defensorias da América do Sul e Central se reuniram para discutir as vulnerabilidades dos PIs no contexto da COVID-19 e concordaram em exigir que seus respectivos governos nacionais: priorizem e levem em conta as vulnerabilidades específicas de PIs em suas respostas de saúde à doença; abram dados sobre como a COVID-19 está afetando populações e territórios indígenas; e promovam um fornecimento seguro e ágil de alimentos e produtos de higiene. Entre outras demandas, a Defensoria do Peru solicitou que o governo peruano assegure que qualquer entrada de terceiros em territórios indígenas seja previamente autorizada pelas comunidades indígenas, seguindo as devidas precauções sanitárias para evitar contágio, e que o governo estabeleça um canal de comunicação com as organizações indígenas no desenho de respostas de assistência médica aos PIs, pois eles são os mais conscientes das demandas e necessidades no nível das comunidades.
Desafios
- Aumento da violência na Amazônia: A América Latina é considerada a região mais perigosa do mundo para defensores ambientais e de direitos humanos, com os mais altos índices de assassinatos de defensores. Nesse cenário, é sabido que os PIs da Amazônia enfrentam riscos ainda maiores devido aos interesses e pressões políticas e econômicas que geralmente resultam na promoção de atividades ilegais e extrativistas em seus territórios e na violação de seus direitos.
- Proteção limitada do Estado: Apesar de os PIs serem os principais responsáveis pela conservação global da biodiversidade e das florestas, os governos em geral continuam falhando em garantir sua proteção efetiva e integral, relacionada à segurança de defensores e a proteção de direitos territoriais, bem como em reconhecer suas contribuições na luta contra a crise climática.
- COVID-19 – Outra ameaça poderosa: A chegada da emergência sanitária da COVID-19 colocou os povos indígenas em uma posição de dupla vulnerabilidade. Os movimentos indígenas consideram que a pandemia de coronavírus é a maior ameaça para os povos indígenas da Amazônia dos últimos 50 anos, pois representa um risco real e poderoso para o extermínio de algumas comunidades, além de todas as outras ameaças e violações enfrentadas por essas populações.
Recomendações
- Mecanismos de proteção integral: Não é possível analisar as violações ocorridas na região amazônica sem contextualizá-las dentro das estruturas políticas e econômicas que estão na base das ameaças e violações. Da mesma forma, para que uma estratégia de proteção integral seja eficaz, ela deve considerar e abordar esses mecanismos estruturais relacionados ao desmatamento, apropriação de terras, mineração ilegal, pecuária, entre outras atividades econômicas.
- Efetiva proteção governamental: Os Estados democráticos devem cumprir os tratados internacionais de proteção aos povos indígenas e tradicionais dos quais são signatários, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, por exemplo. Assim, os governos têm o dever e a responsabilidade de levar em consideração as demandas dos defensores para suas proteções, e implementar mecanismos que garantam na prática uma efetiva segurança, abordando os interesses políticos e econômicos que estão na base dos riscos e ameaças enfrentados pelos defensores.
- Controle sanitário das fronteiras: A simples militarização das fronteiras, conforme adotado por alguns países da região amazônica, não resulta em mais proteção aos territórios indígenas, pois nenhum controle sanitário é implementado. Além disso, em alguns casos, há militares envolvidos em atividades de extração ilegal de madeira na região, as quais representam mais riscos de infecção por COVID-19. Assim, os movimentos indígenas exigem a melhoria do controle sanitário das fronteiras, especificamente nas fronteiras do Brasil, Colômbia, Venezuela, Guiana e Bolívia, pois essas áreas são atualmente o epicentro de contaminação por COVID-19 entre os PIs.
- Regulamentação para proteção de dados: Embora os dados do governo devam ser abertos, considerando que, em última análise, os cidadãos são os donos das informações públicas, os dados produzidos e coletados pelos PIs sobre suas comunidades e territórios – como os coletados pelos “Guardiões e Guerreiras da Floresta” [veja acima em Ações] – devem ter uma abordagem diferente. Nesses casos, nenhum dado deve ser publicado ou disponibilizado sem o consentimento prévio dos PIs que os possuem, por motivos legais e de proteção digital.
Recursos
- Acordo de Escazú: o Acordo Regional sobre o Acesso à Informação, à Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e Caribe (Acordo de Escazú) é o marco legal mais recente e importante para a proteção dos defensores da região, qualificando os quatro pilares para uma proteção efetiva: acesso à informação, acesso à justiça, participação social e estratégias para a proteção integral dos defensores. No entanto, mesmo que o Acordo seja ratificado por 11 países da região (mínimo exigido para entrar em vigor – atualmente, 9 países ratificaram o Acordo), sua implementação completa dependerá da definição de mecanismos subnacionais que garantam sua aplicação.
- Programa de Defesa dos Defensores: Liderado pela COICA, em coordenação com suas nove organizações indígenas nacionais e com apoio de diversos aliados, este programa fornece apoio jurídico, informação e defesa em casos de criminalização de povos indígenas da Amazônia, promovendo também um sistema de alerta precoce para evitar violações e fortalecer os mecanismos de vigilância.
Para mais informações, entre em contato com: erojas@hivos.org